O Oriente Como Invenção do Ocidente


"Nos filmes e na televisão o árabe é associado à libidinagem ou à desonestidade sedenta de sangue. Aparece como um degenerado super-sexuado capaz , é claro , de intrigas astutamente tortuosas, mas essencialmente sádico , traiçoeiro , baixo . Traficante de escravos, cameleiro , cambistas , trapaceiro pitoresco : estes são alguns do papéis tradicionais do árabe no cinema. O chefe árabe (de saqueadores , piratas , insurgentes 'nativos') são muitas vezes vistos rosnando para o herói e a loira ocidentais capturados (ambos impregnados de integridade): 'Meus homens vão matar vocês , mas... Eles gostam de se divertir um pouco antes'.[...] Nos filmes ou nas fotos de notícias , o árabe é sempre visto em grandes números .  Nenhuma individualidade , nenhuma característica ou experiência pessoal a maior parte das imagens apresenta massas enraizadas ou miseráveis , ou gestos irracionais (logo, desesperadoramente excêntricos). À espreita , por trás de todas essas imagens , está a ameaça da Djihad. Resultado: um temor de que os muçulmanos (ou árabes) tomem conta do mundo. Regularmente publicam-se livros e artigos  sobre o Islã e os árabes que não representam absolutamente nenhuma mudança em relação às virulentas polêmicas anti-islâmicas da Idade Média e da Renascença . [...] O guia dos cursos de 1975 publicado pelos estudantes do Columbia College disse, a respeito do curso de árabe , que uma de cada duas palavras nessa língua tem a ver com violência , e que a mente árabe , tal como é 'refletida' pela língua, é incansavelmente bombástica.  Uma artigo recente de Emmett Tyrrell na revista Harper's era ainda mais injurioso e racista , afirmando que os árabes são basicamente assassinos , e que a violência e a trapaça estão nos genes árabes. Um estudo intitulado "The Arabs in American Textbooks" [Os árabes nos manuais americanos] revela a mais espantosa desinformação , ou melhor, as mais empedernidas representações de um grupo étnico-religioso. Um livro afirma que 'poucas pessoas dessa área [árabe] sabem sequer que há maneiras melhores de se viver' , e em seguida pergunta, candidamente: 'O que mantém unido o povo do Oriente Médio?' A resposta , dada sem hesitação , é : 'O último elo é a hostilidade (o ódio) do árabe em relação aos judeus e à nação de Israel'. Justamente com esse material, encontramos isto sobre o Islã, em outro livro : 'A religião muçulmana , chamada de Islã, começou no século VII. Foi iniciada por um rico negociante da Arábia, chamado Maomé. Ele alegava ser um profeta . Encontrou seguidores entre os outros árabes.  Disse a eles que haviam sido escolhidos para governar o mundo'. Essa pérola de saber era seguida por outra , igualmente  precisa: 'Logo após a morte de Maomé, seus ensinamentos foram registrados em um livro chamado de Corão, que se tornou o livro sagrado do Islã'. Essas idéias grosseiras são apoiadas , e não contrariadas , pelo acadêmico que se ocupa do estudo do Oriente Próximo árabe. [...] " 

SAID , Edward W. Orientalismo; o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. P. 291-292.